O sol bate nos vidros da camioneta onde regressas a casa. De vez em
quando, as árvores escondem os seus raios, mas por meras frações de segundo.
Transformam, assim, o ar à tua volta num constante claro-escuro que não
consegue encontrar um meio-termo.
Estás aborrecida. A bateria do teu computador está a dar as últimas, já
não aguenta como antes. Deixou-te a meio de uma das histórias que usas para te
esconderes da realidade. E ficaste assim, sozinha contigo mesma, com tempo para
preencher e um caderno a olhar para ti.
Há quanto tempo não escrevias? Não faças contas. A verdade é que já não
te lembras. Não escreves porque sabes da tendência que tens para pôr verdade no
que escreves e não estás certa de conseguir lidar facilmente com ela.
Compraste o caderninho numa loja perto da tua nova casa. Era bonito,
tinha uma frase daquelas que gostas, “Ler é sonhar pela mão de outrem” e o
Fernando Pessoa lá estampado. Chamou-te à atenção, talvez por saberes que
escrever é sonhar pela tua própria mão, e tens saudades de o fazer.
Depois de tanto tempo, já descobriste o teu lugar? Agora que tens o
emprego com que sempre sonhaste, aquele onde te imaginavas daqui a 20 anos, é
este o teu lugar?
Ignoraste o ímpeto de correr à descoberta do Mundo e decidiste-te a
ficar. “Nada acontece por acaso”, continuas a repetir para ti mesma. Qual foi a
razão então? Quando a vais descobrir?
Concentras-te em tudo o que tens de provar ao mundo, em tudo o que
sabes fazer e te dão agora oportunidade de mostrar. Ainda não aceitaste
verdadeiramente que mereces a oportunidade, pois não? Continuas a esfolar-te
para que o mundo veja que vales a pena. Porque tu própria ainda não acreditas
verdadeiramente.
No meio de tantos medos, já não sabes bem quem és e quem são os teus.
Já te tinham avisado que essa inconstância crónica havia de ter consequências?
Acho que já. Deves ter-te esquecido, pelo meio, de contar com a mudança.
Não eras tu que estavas sempre à procura da mudança?
E agora aqui estás tu, a contar os minutos para voltar àquilo que nunca
muda, que nunca foge, que está sempre lá para ti.
A segurança aquece-te o coração.
Saber exatamente o que vais encontrar quando acordares, a tua mãe a cozinhar, o
teu pai às voltas com as partituras no computador, o teu irmão agarrado à sua
música. Saber que não precisas de luz para saber onde pôr os pés. É o teu espaço, sabe-lo de cor.
Esta sensação de proteção não tem
preço. Tu que sempre gostaste das tuas aventuras, já não tens medo “que o teto
te caia em cima”. Gostas muito de estar debaixo dele, com a manta sobre as
pernas e a cabeça encostada no ombro da mãe.
Desconhecias este teu lado “caseirinho”.
Hoje dás por ti à procura de palavras que descrevam esta sensação de nostalgia
antecipada, por saberes que já só voltas quando já tudo cheirar a Natal. Faltam-te
os portos seguros, do outro lado do país.
Gostas de te armar em forte e de
mostrar que tens tudo sob controlo. Mas lá no fundo vais contando os dias para
voltar aos cozinhados da mãe, aos palcos, aos teus.
Sabes que por muitas voltas que dês, por muitos sonhos que realizes e por muitas frustrações que vão atravessando o caminho, eles hão-de cá estar. E tu também.
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