Tenho uma certa aversão a este
fenómeno que faz com que tudo o que é concreto se transforme, mais cedo ou mais
tarde, em abstrato.
Aquilo que, num momento, vemos
passar em frente aos nossos olhos e faz o nosso coração estremecer; o que nos
faz experimentar as sensações mais extremas, que nos questiona os planos;
aquilo que está no concreto dos dias, no chão que pisamos; o momento que nos
abre o sorriso sem pedir duas vezes. Um abraço, um toque, um aceno atento, uma
pergunta que nos desarma. O olhar de uma criança tão simples que nos deita por
terra.
No momento a seguir, nada disso é
matéria. Transforma-se em memória, em pensamento, numa ideia. É tão abstrato
que é impossível esbarrarmos contra ele. Envolvemo-lo em nós, na tentativa de o
eternizar de alguma forma.
Mas não o podemos agarrar.
Travamos lutas interiores, trazemos tudo ao pensamento, repetidamente, para não
perdermos nada. Mas invariavelmente, as experiências que, caso pudéssemos
travar o relógio, prolongaríamos sem hesitar, transformam-se em memórias
poeirentas.
Sopramos-lhes o pó de longe a
longe, a sorrir, e damos conta que já muito tempo passou – e que, por mais
tempo que passe, nada se há-de repetir: cada experiência é única e tem o seu espaço
reservado em nós.
Mas talvez seja isto Viver a
partir do coração: saber retirar o abstrato do concreto e crescer com ele –
ainda que apeteça muito enroscarmo-nos no canto a lamentar-nos do azar de nada
ser eterno.
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