
No outro dia, estava eu no meu quarto a ouvir a chuva e o vento a abanar as árvores. Estava frio. Por isso, decidi deixar de me armar em valentona e inaugurei, finalmente, o período invernal no quarto-da-Inês. Saí porta fora e fui buscar o aquecedor com quem já travei uma amizade duradoura. Na verdade, tinha saudades dele (não pensem que é muito velho, mas já me acompanhou e, vá, aqueceu, em momentos marcantes! E olhem que quem nos aquece os pés tem sempre um lugar especial no nosso coração).
Fui direitinha à garagem dos meus avós (que por acaso moram coladinhos a mim – olhem lá a minha sorte!) e entrei na velha roullote que lá está estacionada desde que me lembro.
A roullote dos meus avós já deu muitas voltas por esse país fora. No entanto, de tanto uso, estragou-se, e agora serve de quarto para arrumos...
Mete-se tudo lá para dentro. Tudo a monte, cheio de pó, sem grandes critérios de arrumação. Tem coisas minhas, do outro, da casa ao lado, nossas. Tem almofadas para as cadeiras, roupas velhas, enfeites de Carnaval, de S.João, brinquedos que já ninguém quer, abat-jours partidos, coisas! Coisas que já não tinham espaço noutro lado.
Eu lembro-me (quer dizer… tenho flashes muito pequeninos!) que já fui a muito lado com aquela roullote. Quando era pequenina, tínhamos o costume de passar férias todos juntos… a família toda! Os de cá de casa, os tios e primos, os avós… e ainda alguns amigos! Era uma festa, segundo consta. E do que me lembro, não era nada que me aborrecesse. Passámos, em família, momentos muito divertidos. Sempre em campismo, sempre com tendas enormes e com a roullote também.
Entretanto fomos deixando o hábito… o campismo deu lugar aos apartamentos, que depois deram lugar às férias em separado… e a roullote ficou. Ficou, foi ficando, e foi ficando velha. Dizia-se para a vender, para a arranjar… mas não foi vendida nem arranjada. Foi ficando. E agora? Agora está velha, sem utilidade, cheia de bocados de madeira por baixo, com os pneus rebentados e com os restos das coisas sem lugar…
E naquele dia em que fui buscar o aquecedor, fiquei a pensar que infelizmente isso não acontece só às roullotes!
Tanta boa gente parecida com aquela roullote. No início é nova, dada a viagens por essa vida fora! No início diverte-se a si e aos outros. No início é ponto de encontro, cria relações, desponta sorrisos, vive a vida e traz crianças felizes no peito.
Depois os outros tomam caminhos diferentes, e deixa de viajar. Está lá pousada, à espera que comece outra viagem! À espera que lhe peguem, mas nunca ninguém pega…
Vai ficando velha, os armários desengonçados, o mini-frigorífico avariado, o fogão estragado, as cortinas fora das costuras…
Depois espera que a vendam, que a arranjem, que façam alguma coisa com ela para voltar à actividade. Espera, espera, e continua no mesmo lugar. Por circunstâncias da vida, não se vende, não se arranja… vai ficando.
Vai ficando, e ficando, e ficando. Até que está num estado tal que já ninguém lhe pega. Já não consegue deslocar-se um centímetro que seja do quadrado de chão que adoptou como casa. O caminho fechou. Já não há carro que a puxe, por isso já não anda.
Por isso, fica com os restos. Com as memórias dos tempos em que viajou, em que riu, em que viveu. Agora, são restos. Nada teve conserto, e tudo foi ficando.
Mas sabem qual é a diferença entre a roullote dos meus avós e esta gente boa? É que a roullote não sabe andar sozinha, tem que ter quem a puxe.
E a gente? A gente sabe!
O problema? O problema é que, quando o coração já é velho, esperar é muito mais fácil...
2 comentários:
Não sei muito bem porquê, mas este texto acompanhado por esta música, fez-me sentir um arrepio, e deu-me saudades de tanta coisa...
Bjitu*
Se seus avós decidirem arrumar vossas recordações noutro lugar, eu gostaria de comprar uma roulote como essa, mesmo nesse estado.
Em caso de haver essa possibilidade ou vontade: okedesigner@gmail.com
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