Alma.

Escrevi-o há uns dias, e hoje encontrei o papel na "tal" mala. Não publiquei na altura, publico agora. Ainda soa tudo verdade.

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Costumam dizer-nos que nos transportes públicos se pensa melhor.
Hoje, neste transporte público eu escrevo melhor. Escrevo a sentir os tremores dos paralelos da estrada. A caneta abana, mas não mais do que os sentimentos que trago cá dentro.
Sentimento, digo-o sem vergonha. Por muito que as palavras já estejam demasiado gastas pelo hábito com que se dizem da boca para fora, hoje sinto-as bem verdadeiras.
Tirei este papel de uma carteira toda manchada do uso, uma carteira que à primeira vista é um autêntico caixote do lixo. Papéis amarrotados, tampas de iogurte, maços de tabaco que nunca fumei. Demoro sempre uma média de dez minutos a encontrar esta caneta com que escrevo. Anda sempre perdida no meio das memórias que tento condensar nesta carteira castanha.
Tenho as mãos, os pés, os braços, as calças, o cabelo cheio de terra. E estas calças meias rasgadas não são da moda, são de um ano inteiro de dificuldades que hoje valem tanto a pena.
Valeu a pena. Mas este "valeu" passado deixa-me uma sensação de vazio que não consigo descrever. Vale a pena, está a valer a pena, e isto não pode ser passado. Não pode. Não pode, pois não?
Estou a escrever isto e a pensar que meio mundo vai ler e me vai achar tolinha. Mas hoje não podia guardar para mim, e tenho a certeza que os únicos que vão perceber são os que interessa que percebam.
Foi o ano mais louco, mais incoerente e ao mesmo tempo mais intenso que já vivi. E digo-o em Maio, porque é em Maio que sabe a fim, e é em Maio que desejava voltar ao início para viver ainda mais.

É muito bonito dizer que não mudávamos nada, mas eu mudava e fazia mil vezes melhor, porque somos sempre capazes de mais.

Hoje sinto muita coisa, um autêntico turbilhão, e nem sei como é que ainda estou a tentar encaixar-me em palavras. Ansiosa por amanhã e pelos dias a seguir, e ao mesmo tempo a querer ficar neste transporte público, neste dia, para sempre.
À medida que caminhamos, mais longe parece ficar a meta e mais longo o caminho se torna. Não acaba aqui, não. Ainda temos muito que andar, muito que crescer.
Mas já somos muito nós. Temos a alma estampada na t-shirt, mas é no olhar que ela se vê melhor.

"Se uma lágrima te cair
Ao veres chegar o fim
Toma cuidado, muito cuidado,
Que a saudade começa assim."

30 de Abril de 2010