A razão pela qual demorei tanto tempo a escrever sobre o nosso dia em Milão condiz bem com a sensação que nos percorreu durante todo o referido dia: preguiça.
Depois de dois dias de intenso turismo, todo o nosso corpo clamava por descanso. As costas, as pernas, os pés, os próprios olhos doíam muito. E para isso contribuiu não só o dito cansaço como também a nossa pobreza, que nos levou a ter uma muito má noite de sono.
Tínhamos decidido poupar o mais possível, visto que tínhamos as carteiras como um verdadeiro viajante: vazias. E como “tempo é dinheiro”, podíamos bem passar as noites à frente: poupávamos o dinheiro do hostel e tempo para visitar mais coisas interessantes. Aquilo de que não nos lembrámos à partida é que o ser humano não é uma máquina, e que não chega dormir duas ou três horas num comboio durante noites seguidas. Ainda por cima quando os dias eram tão cansativos. Mas quais super-mulheres, decidimos passar a noite que separou Florença e Milão em estações e comboios.
Depois da aventura do autocarro, que nos levou a ficar naquela rua escura durante uns 45 minutos, conseguimos apanhar um outro e, não fosse a nossa redobrada atenção, teríamos mais uma vez passado a estação de comboio à frente (os “autistas” dos autocarros italianos vivem mesmo num mundo à parte).
De qualquer maneira, chegámos à estação “Firenze – Campo di Marte” a horas de apanhar o comboio que nos levaria para Milão. A sala de espera pareceu-nos um bom sítio para começar a nossa noite de “sonos” (sim, que em vez de uma noite de sono tivemos sonos curtos e pouco descansados), já que nas filas de bancos se encontrava uma boa dúzia de homens e mulheres que encontravam ali um abrigo para dormir.
No entanto, o nosso descanso não durou mais do que dez minutos. No tempo que se seguiu, andámos em busca de um complemento ao nosso bilhete, que nos permitiria andar nos Intercidades italianos. A Ana foi a nossa salvação, quando descobriu umas máquinas que tinham a opção “Português” (inédito em Itália e qualquer outro país europeu) e, ao decidir brincar com elas, encontrou o dito complemento.
Finalmente na posse de bilhetes legais (outra coisa inédita), começámos a nossa viagem Firenze-Bologna, onde faríamos escala. O comboio era daqueles “à Harry Potter”: tinha pequenos compartimentos com seis lugares, supostamente mais confortáveis para dormir do que os comboios regionais. Digo “supostamente” porque na realidade deparámo-nos com um comboio com gente de aspecto duvidoso e odor pouco agradável (e eu sei que não tenho grande moral para falar), praticamente cheio e com todas as luzes apagadas (o que para dormir era uma vantagem, mas aumentava o seu carácter assustador).
Não conseguimos lugar todas juntas, por isso dirigi-me para o meu compartimento e vi-me obrigada a acordar uma rapariga que estava com os pés no lugar que o bilhete marcava como meu. Juntamente com outro rapaz, com cara ainda mais assustada do que a minha, acordámos um outro homem que estava a ocupar mais do que um lugar com as suas pernas. Felizmente não fomos espancados, e os viajantes foram até relativamente simpáticos.
A viagem foi relativamente curta, mas o cansaço venceu o medo de ser assaltada e/ou de não acordar a tempo de sair em Bologna, e acabei por dormir uma hora naquele cantinho nada assustador.
No comboio seguinte, que finalmente nos deixaria em Milão, o panorama que encontrámos não foi muito melhor: desta vez conseguimos quatro lugares juntos, mas quando chegámos ao nosso compartimento – cheias de esperança para dormirmos mais três horas – o cheiro enojou-nos de uma maneira que não dá para descrever por palavras.
Nos dois lugares que não tínhamos reservado (e nos outros todos, porque toda a gente faz questão de se deitar ali) estavam dois rapazes com ar de rappers cujos pés descalços emanavam um cheiro capaz de fazer desmaiar qualquer um. Procurámos então um outro compartimento e, finalmente, conseguimos dormir um sono semi-descansado. Se durante aquelas três horas apareceu alguém com aqueles lugares reservados e se foi embora pela mesma razão com que abandonámos o nosso compartimento, não sei dizer.
Felizmente não tirámos uma fotografia logo que chegámos a Milão. Ainda hoje, a minha cara a essa hora é um mistério para mim. Eram 6h45 e o nosso corpo ainda não correspondia às ordens que o nosso cérebro, também ele pouco trabalhador, dava. Assim, aterrávamos em qualquer canto em que parássemos. Exemplo disso foi o momento em que a Mariana e Ana foram à casa de banho e eu e a Raquel adormecemos profundamente num canto entre os elevadores e a porta do WC. Quando elas regressaram, pediram-nos para irmos para outro sítio de uma forma tão persuasiva que passado dois minutos estavam a sentar-se ao nosso lado e, também elas, a adormecer naquele sítio tão indicado.
Não sei quanto tempo ali estivemos, mas acordei com um polícia a pedir-nos, muito delicadamente, para irmos dormir para outro lado. Legítimo, penso eu.
Fomos então dormir para outro lado, e o “outro lado” foram os bancos da estação onde dormiam os sem-abrigo milaneses. Na verdade, naquela noite (e na seguinte também) éramos isso mesmo, sem-abrigo. Mais uma vez.
Passado duas horas, estávamos finalmente prontas (mais ou menos) para visitar Milão. Mandámos de novo os nossos músculos para um sítio que eu cá sei e apanhámos o autocarro para o centro.
Milão não tem grande coisa para ver. Ou se tem, as coisas passaram-me bem ao lado. Para além de uma das maiores catedrais góticas da europa, de meia dúzia de igrejas e de um castelo jeitosinho, não vimos nada que nos apaixonasse muito.
Também a disposição não era a maior, por isso passámos o dia a “arrastar-nos” pela cidade da moda, a obrigar o nosso corpo a aproveitar aquelas horas.
Vivemos aquele dia com o objectivo de arranjar um jardim bonito para dormir, mas quando finalmente encontrámos um lembrámo-nos que, como boas turistas que éramos, devíamos ir à rua das lojas “chiques” ainda de dia (para o caso de querermos comprar algum casaco de peles).
Quando entrámos naquela rua cujo nome não sei, mas que o guia turístico referia como essencial para uma visita completa à cidade, senti-me num mundo à parte. Senti-me, posso dizer, completamente descontextualizada. À minha volta via pessoas bem vestidas, homens engravatados e senhoras elegantes. Os próprios cheiros faziam parte de um mundo diferente, porque o nosso cheiro a suor entranhado na roupa contrastava com os maravilhosos odores que aquelas pessoas emanavam. Vi produtos a preços que nunca tinha visto na vida. Uma carteira a 3900 euros, e não vou comentar isto (vou vou, isso é mais do que a minha licenciatura! 3900 euros?!).
E chegou a noite. À noite, Milão é uma cidade diferente. As ruas enchem-se de brilho e gritam que finalmente chegámos à cidade da moda. Na praça do Duomo, o palco que anunciava um espectáculo para o dia seguinte encheu-se de luzes e de bailarinos, que se preparavam para o ensaio geral. A essa hora, estávamos encostadas às paredes da catedral, a tentar “passar pelas brasas”, mas automaticamente a Raquel se levantou, seguida da Mariana. “Bailarinos a sério!” – dizia a Raquel, que já tinha esquecido todo o sono. Eu e a Ana lá mandamos (mais uma vez) o sono para um sítio que cá sei – isto começou a tornar-se um hábito – e fomos também assistir ao ensaio.
Não nos arrependemos. A julgar pelo ensaio, o espectáculo do dia seguinte deve ter sido de uma qualidade incrível. Vimos uma bailarina a esvoaçar pela praça, presa a algo muito parecido com um balão. Vimos um conjunto de bailarinos a interpretar uma dança com base no Livro do Génesis. Uma dança muito forte, que com certeza me teria deixado a pensar mais de cinco minutos, não fosse o meu cérebro àquela hora não aguentar um raciocínio muito longo.
Jantámos – wait for it – no McDonald’s. Por aquela altura, teríamos comido qualquer coisa que não nos fizesse entrar mais uma vez naquele restaurante, mas é um facto que não havia nada relativamente barato ali. Resignámo-nos, e lá nos lançámos à nossa amiga fast food.
Ainda conhecemos dois egípcios que por alguma razão nos preferiram às meninas cheirosas que havia por ali. Quando nos fartámos deles, rumámos ao hotel daquela noite: a estação de comboio de Milão.
Tal como a Ana, não vou aprofundar muito esta noite - até porque este texto já está suficientemente gigante e estou para o postar há três dias. Dormimos na estação de Milão e acordámos com a maravilhosa notícia de que a Ana tinha sido assaltada. No entanto, calhou-lhe um ladrão civilizado e, até, generoso: levou apenas o telemóvel e o dinheiro que estava numa pequena carteira. Deu-se ao trabalho de o tirar e deixar todos os documentos. E deu-se também ao trabalho de deixar a máquina fotográfica que, essa sim, vale centenas de euros. Quase tivemos vontade de lhe agradecer!
Saímos da estação de Milão (a Ana um pouco mais leve) às 6h25.
Milão: check.
Next stop: Verona.
13 comentários:
saudades tuas
padrinho
Por acaso nunca andei em nenhum comboio de compartimentos tipo "Harry Potter... mas deve ser giro!!!
Deu para perceber que a cidade não te encheu as medidas... (tirando essa magnifica carteira!
Dormir na rua tem dissso... pode-se ser assaltado! Tiveram alguma sorte, sim senhor!
Eu continuo a achar que te ficava melhor a T-shirt do cão azul do que a da universidade do porto para passeares em Milão... mas isso é a minha opinião... ;)
beijo
A diferença é que esta foi paga pela Universidade do Porto, e já que não me dão uma bolsa de jeito, é obrigação deles darem-me t-shirts bonitas!
:D
é justo... mas continuo a manter a minha opinião :)
Para te ser sincero só hoje é que li o que escreveste com olhinhos de ver... Sábado à noite foi na diagonal (garanto-te que muita coisa que escreveste me passou ao lado), por isso, hoje um comentário a condizer com a referida leitura decente.
Se alguém te perguntar um dia se já dormiste na rua ou num comboio assustador agora já podes dizer que sim...
Já tou a imaginar o cheiro de dois gajos descalços dentro de uma carruagem... até a mim me enjoa só de pensar, imagino a vocês... ;)
Eu já tive alguns policias a mandarem-me para outro lado, mas para ser sincero, nunca por estar a dormir... eheheh
Continuo com a mesma opinião (depois de ler isto com os olhos abertos) que tinha e que já tinha ficado antes, que Milão não foi dos sitios que mais gostaste de visitar. Eu por acaso tinha alguma curiosidade, mas já perdi alguma :P
E mais uma vez, McDonald’s!! Chegaram a ser expulsas deste???
Não comento mais... o resto já tinha comentado!!!
Beijo e boa semana,
Vitor
P.S.- esqueceste-te de uma coisa:
Sem abrigo em Milão: Check
:):):):)
esta cena intrigou-me, mas depois esqueci-me de te perguntar...
A carteira custa a módica quantia de 3900€...
Os Calzature (que segundo o google tradutor são sapatos) custam 595€...
Não consigo perceber o que é que custa 1200€!
Vítor, não sei bem, não me lembro..
Se calhar era uma outra carteira, mas depois dos 3900 até me pareceu barata! :P
1200, barata?????
LIVRAAAAAAAA!!!!!!!! ;)
Só aventuras! :)
eu não venho aqui picar-te e tu nunca mais escreves...
qalquer dia estás de volta e ainda não falaste do passeio todo ;)
beijo
Às vezes sou parva, sei que vou escrever textos grandes e não me apetece... já boooou!
uiiii ficou chateada... ;)
Eu sou demasiado ocupada para ter tempo para ficar tchateada xD
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