maio 26, 2008

Revolução Industrial, injustiças e afins.

Partilho convosco um trabalho de História que fiz há pouco tempo, sobre uma criança operária do século XIX. Não é nenhum documento histórico, é apenas uma história inventada por mim com base no que aprendi sobre a vida do proletariado nas cidades industriais.
Deixo-vos porque é algo que me continua a revoltar: tudo bem que tem mais de um século, mas não é nada que não aconteça ainda hoje por esse Mundo fora!



(imagem do filme "Oliver Twist", de Roman Polanski)

Chamo-me Samantha, tenho 6 anos, e sou burra e estúpida. Pelo menos é o que diz o mestre lá da fábrica, e eu acredito nele. Ele sempre foi muito bom para mim e para os meus pais, porque sabia que eles não podiam cuidar de mim e prometeu dar-me comida suficiente para viver bem, em troca do meu trabalho.
Vivemos todos em Manchester, desde que esta fábrica abriu, há dois anos. Antes o meu pai era agricultor, mas não sei porquê começaram a despedir toda a gente que trabalhava lá no campo dele… acho que inventaram umas coisas esquisitas que conseguiam fazer o trabalho de 10 homens de uma vez só. E por isso viemos para esta cidade, para o meu pai conseguir arranjar um trabalho… Só que não foi só ele que o fez. Muitos amigos meus lá da aldeia também vieram com os seus pais… e como o salário de um só não chega, todos temos que ajudar!
A nossa casa é muito pequenina. Eu e os meus oito irmãos dormimos bem juntinhos num cantinho da sala, para não termos frio… Quer dizer, digo sala como podia dizer cozinha, quarto ou casa de banho. Só temos aquela divisão para nos governarmos todos, porque o meu pai diz que as rendas estão muito altas e que aquilo é a única coisa que temos hipótese de pagar.
Esta cidade onde vivo é um bocadinho estranha. Lá na aldeia estava sempre tudo bem cheiroso, e toda a porcaria que as pessoas faziam ia para bem longe das nossas casas… mas aqui parece que não há sítio para pôr essas coisas, porque fica tudo nas ruas, e elas acabam por cheirar muito mal… eu já me habituei, mas quando cheguei cá o cheiro dava-me vómitos, e cheguei a ficar com muita febre… os meus pais diziam que era por causa da porcaria toda que andava na rua, e devia ser mesmo por causa disso.
Aqui os sinos tocam às quatro e meia da manhã. Levanto-me logo, porque sei que o meu mestre não gosta de atrasos, e depois castiga-me.
Começo a trabalhar às cinco horas, e só saio do trabalho por volta das sete da tarde… quer dizer, quando há mais trabalho fico até às oito. Durante o dia trabalho numa máquina muito grande de fazer tecelagem, e quando uma máquina se estraga, o meu mestre diz-me para a consertar, eu e os meus amigos. É que como somos mais pequeninos, conseguimos chegar à parte de trás das máquinas, para consertar os fios quebrados… mas esta tarefa é muito difícil, mesmo para nós. Já muitos amigos meus se magoaram a arranjá-las… choraram muito, mas os mestres deles diziam que só estavam a fazer birra. Tive muita sorte até agora, porque ainda não me magoei a sério. Quer dizer, uma vez fiz um corte bem grande no braço, e saiu muito sangue, mas agora já estou boa. E aquilo não foi nada comparado com aquilo que alguns amigos meus já sofreram aqui. Alguns ficam de repente com muita falta de ar, não conseguem respirar… e não os ajudam! Acho que é porque não sabem que aquilo os faz sofrer muito.
Tento estar muito atenta enquanto faço o meu trabalho. Não sei porquê, pagam-me muito pouquinho, e ainda menos do que aos meus irmãos rapazes e ao meu pai. Acho que é porque eles são mais fortes e inteligentes… gostava de ser como eles um dia.
Quando eu cometo algum erro ou tenho alguma distracção, acabam por me descontar no meu pequenino salário… e não me posso arriscar, porque tenho que ajudar o meu pai a pagar a nossa casinha! Além de que às vezes o meu mestre fica um bocadinho nervoso, e bate em quem não trabalha como deve ser… e ele é tão forte, tenho medo de ficar muito magoada!
Às vezes sinto-me tão cansada… vejo a máquina toda desfocada, e parece que vou adormecer! É que não posso dormir muitas horas, há muito trabalho… e também não como muito, para não gastar muito dinheiro. Tenho direito a um pão à hora do almoço, e como-o devagarinho para não acabar depressa! Também tenho direito a um copo de água, e a umas bolachas para comer à tarde. Às vezes, quando não nos portamos mal, dão-nos um prato com salsicha, ovo e algumas batatas. Fico muito feliz quando posso comer isso tudo! À noite a minha mãe faz sopa para todos em casa, apesar de também vir muito cansada do trabalho. Gosto muito da minha mãe!
Quando for grande, gostava de estudar e ser doutora. Já sei que é muito difícil, porque preciso muito de trabalhar para ganhar dinheiro, e sei que os meninos da minha idade não costumam durar muitos anos… Já muitos amigos meus morreram, apesar de serem muito pequeninos! Eu não posso morrer, porque os meus pais e os meus irmãos precisam de mim. E por isso também não posso fugir…
Mas tenho esse sonho, de um dia poder estudar. Todos os dias penso nisso, enquanto estou em frente à minha máquina… eu penso muito, e às vezes acho que não devia. Mas não consigo parar!
Um dia hei-de dizer isto com muito jeitinho ao meu mestre. Prometo-lhe que trabalho muito se ele me deixar aprender a ler! Mas acho que ele não vai deixar, porque há muito trabalho para fazer e se eu não quiser há muita gente lá fora à espera de um emprego. Acho que alguns até fazem uns trabalhos muito feios na rua, só para conseguirem ganhar algum dinheiro… “vendem” o corpo aos fulanos mais ricos, é o que a minha mãe está sempre a dizer… e alguns até chegam a roubar, de tão desesperados que estão!
Por isso, tenho que me resignar… acho que a minha vida até é boa, podia ser muito pior! Tenho comida e sítio para dormir, o que é algo que nem todos podem dizer.
Às vezes a vida é muito má para as pessoas, ou pelo menos é o que o meu pai está sempre a dizer. Gostava de saber como é que posso alterar isso… mas acho que a culpa é de uma coisa chamada “destino”, que ninguém pode mudar… não gosto do destino. É mau para as pessoas! Quando for grande e tiver um marido, hei-de dizer-lhe para lhe dar uma sova bem grande!
Gostava de ser mais feliz. Oh, lá estou eu a queixar-me. Pronto, sou feliz assim. Quem dera a muitos estar no meu lugar! Só espero fazer sempre por merecê-lo!

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bem! Tens um bom/excelente trabalho.
Claro que se fosse eu a corrigir dava-te um nota muito boa, para além de corrigir um ou outro ponto... mas enfim, manias de professora...
Tá exclente!

Beijocas
Susie

Anônimo disse...

desta vez utilizaste manchester ! LOL