maio 15, 2012

"Depois da casa roubada, trancas à porta. Trancamo-nos no calor das águas estagnadas, na evitação da vida - e onde fica a nossa luz? Onde fica o prazer de mergulhar nas águas frias, de nos deixarmos vogar na confiança do mar? Dos desgostos, sal da alma, às decepções que a devoram de mansinho, que distância vai?
Viajas. Vou contigo, no lugar do morto, por uma estrada roída de camiões, até essa vila poerenta onde dantes nasciam copos de cristal. Que procuras, nesta fábrica que já não e tua?
- O senhor deseja alguma coisa?
Procuras os dias da vida antes de mim. Esqueces-me. As pessoas diziam que falávamos da mesma maneira, como um casal velho. Eu fizera-me mais bruta, casernal. Tu descambavas para o género lírico e usavas provérbios para tudo, os meus provérbios populares que ao início tanto te irritavam. Olhava para ti e sabia exactamente a cor e a forma do teu pensamento. Ou assim o julgava, o que é a mesma coisa."

in "Fazes-me Falta", Inês Pedrosa

Nenhum comentário: